quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Artrite reumatóide afecta 40 mil pessoas em Portugal

Dr. Pedro Gonçalves- Arsisete Saraiva


Portugal não é um dos países com uma taxa de prevalência mais elevada, quando comparado com outras nações da UE, mas ainda assim serão cerca de 40 mil os doentes diagnosticados com artrite reumatóide (AR). Muitos sentem as dificuldades da sua doença nas tarefas básicas do seu dia-a-dia e o simples gesto de abrir uma porta pode constituir um desafio insuperável.

«Infelizmente, não se sabe qual é a causa desta doença, porque caso contrário o tratamento poderia ser mais eficaz e até mesmo curativo.» É deste modo realista que o Dr. Pedro Gonçalves, assistente graduado de Reumatologia do Serviço de Reumatologia do Hospital Garcia de Orta (HGO), em Almada, aborda o actual conhecimento disponível acerca da AR.

Embora não passem de suposições, pensa-se que na base da doença estará um conjunto de múltiplos factores, como explica o reumatologista:«A uma predisposição genética que as pessoas têm pode adicionar-se a possibilidade de existir um estímulo externo, que não sabemos ao certo qual é. Num terreno predisposto para a doença, o estímulo externo poderá conduzir a um processo inflamatório que resulta na cronicidade e perpetuação da situação clínica.»

Por definição, a AR é uma doença reumática crónica inflamatória, que pertence ao grupo de doenças do tecido conjuntivo, também conhecido por conectivites. Na explicação para a sua acção totalmente incapacitante, o médico do HGO especifica que «o tecido conjuntivo ocupa todos os órgãos e tecidos do nosso organismo, pelo que esta é uma doença que pode praticamente afectar qualquer órgão, tecido ou sistema do nosso corpo».Contudo, acrescenta Pedro Gonçalves, «a AR distingue-se das outras doenças do mesmo grupo porque há uma predilecção especial pelo facto de a doença envolver as articulações. Nomeadamente, as articulações sinoviais, que são muito numerosas».

A doença pode afectar inúmeros movimentos e, a título de exemplo, o especialista refere que a articulação tempora-maxilar, responsável pela abertura e fecho da boca, pode ser uma das atingidas, assim como as pequenas articulações dos dedos das mãos, pés e punhos. Apesar de atingir preferencialmente as articulações, o médico explica que «esta é também uma patologia que, em formas mais graves e arrastadas no tempo, pode envolver órgãos vitais, como o coração, os pulmões ou os rins, podendo pôr em causa a própria vida do doente». Contudo, assegura, «essas situações são hoje muito mais raras».

Os números que fazem a doença

Os últimos estudos realizados junto da população portuguesa revelam que a AR é uma patologia com uma prevalência entre 0,3 e 0,5%. «É uma prevalência baixa», realça o médico, «sobretudo se tivermos em conta que noutros países da Europa e nos EUA esse valor pode atingir 1%».

Para além destes dados globais, há a referir que esta é uma patologia mais frequente junto das mulheres, numa razão de 4:1. As idades mais críticas no que diz respeito ao aparecimento da doença são entre os 30 e os 50 anos, «mas esta pode aparecer desde as idades mais jovens até às mais tardias», alerta o médico. Em qualquer dos casos, a chave do sucesso está sempre num diagnóstico precoce. Aliás, destaca Pedro Gonçalves, «se a doença for precocemente diagnosticada e tratada, as consequências podem ser mínimas, pois, hoje em dia, dispomos de medicamentos altamente eficazes no controlo da doença». Já no caso de a doença ser deixada sem tratamento ou com terapia inadequada, a destruição irreversível das articulações é quase certa. As primeiras zonas envolvidas são, habitualmente, as pequenas articulações das mãos, os punhos, os pés, os ombros e os joelhos. E se há locais em que é possível proceder à cirurgia curativa, noutros os doentes ficam irremediavelmente limitados para as suas tarefas do dia-a-dia.

Para evitar tal cenário, «é preciso actuarmos de um modo activo nos primeiros três a quatro meses de evolução da doença, para podermos reverter a sua cronicidade. Podemos até induzir a sua remissão, ou seja, a doença fica adormecida e praticamente sem sintomas», acentua o reumatologista, acrescentando que «é extremamente importante alertar as pessoas e os médicos de medicina familiar para que os doentes que tenham suspeita de artrite – com dor, tumefacção ou edema das mãos, ou de outras articulações – sejam rapidamente referenciados ao médico reumatologista para serem avaliados e, se necessário, tratados farmacologicamente».

Para além da idade média da vida (30-50 anos) e do sexo feminino, o especialista do Garcia de Orta destaca que há também uma maior predisposição para o aparecimento da doença em fumadores, quer em termos de prevalência, quer de gravidade, assim como após estímulos psicossociais de grande intensidade. É o caso, exemplifica, «de uma mulher que se divorcie, ou que perca um ente querido. São situações em que existe um forte impacto na vida emocional e social do ser humano». Esse tipo de estímulo pode provocar uma debilidade do sistema imunológico e ser responsável pelo aparecimento da AR.

O recurso ao tratamento

Todas as soluções disponíveis para o tratamento desta doença extremamente incapacitante são impotentes para a curar, mas possibilitam atenuar drasticamente os seus efeitos. Existem medicamentos indicados para tratar os sintomas e sinais e outro tipo de fármacos que são utilizados para travar a progressão da doença.

«A maior parte deles», explica Pedro Gonçalves, «são agentes imunossupressores, que podem ter um papel importante até aos três ou quatro meses de evolução da doença».No entanto, adianta, «quando estes agentes não são eficazes, os agentes biológicos são o passo seguinte, resultado do desenvolvimento da engenharia genética e molecular». Tal como explica o médico, estes agentes biológicos que actuam directamente sobre os mediadores da inflamação «são moléculas recentes que, nos doentes refractários às outras terapêuticas, podem ser utilizadas e facilitam o controlo da doença em 80% dos casos. Isto é, 80% dos doentes que são sujeitos a terapêutica com agentes biológicos respondem de forma muito satisfatória, quer com remissão, quer com diminuição da actividade da doença».Contudo, alerta, «os agentes biológicos não devem ser prescritos de ânimo leve e têm de ser sujeitos a um rigoroso controlo do médico, dadas as suas complicações, nomeadamente o perigo de aparecimento de infecções ou de tuberculose, as complicações mais frequentes».Para concluir, o reumatologista alerta que o mais importante é ter consciência de que «a AR, caso não seja tratada, pode ser uma doença com um comportamento muito agressivo e provocar destruição articular, levando à perda completa de capacidade do doente em fazer a sua vida mais banal». Neste sentido, «apesar de os agentes biológicos serem mais caros, seguramente que a sua utilização precoce será compensadora e evitará os custos económicos e sociais que a doença pode provocar se for deixada no seu ritmo inexorável de normal progressão», conclui.

ANDAR em movimento

«Dar voz aos doentes, de quem todos falam e que no discurso politicamente correcto todos colocam no centro do sistema de saúde, mas que poucas vezes são consultados ou ouvidos nas decisões que lhes dizem respeito.» Resumidamente, assume Arsisete Saraiva, este foi o objectivo que alavancou o arranque da ANDAR, a Associação Nacional dos Doentes com Artrite Reumatóide, acrescentando que, «por outro lado, faltava uma associação que se dedicasse exclusivamente à AR e desse apoio médico social aos doentes e seus familiares».

Fundada a 5 de Abril de 1995, a ANDAR tem como missão apoiar os doentes e seus familiares, informando e lutando por uma melhoria assistencial e de qualidade de vida dos doentes. Devido ao número crescente de doentes, esclarece a presidente desta associação, «informá-los, assim como aos seus familiares, sobre a doença foi a primeira iniciativa da ANDAR, com a edição de uma brochura com informações úteis aos doentes».

Assim, foi sem surpresa que, pelo esforço desenvolvido pela ANDAR, a artrite reumatóide se tornou a primeira doença em Portugal a ter um dia nacional reconhecido pelo Estado, precisamente o dia 5 de Abril.Desde aí, a ANDAR tem aumentado a sua influência e actividade, com a publicação de um boletim que vai já na sua 16.ª edição, dois livros com testemunhos de vida de doentes com AR, uma brochura com informações sobre a doença e um livro sobre exercícios aquáticos para doentes com artrite.

Ainda em 2001 iniciaram-se as primeiras jornadas da ANDAR, que anualmente celebram o dia nacional e apresentam as novidades e a dimensão da doença no contexto da saúde em Portugal e no mundo. Mais recentemente, frisa Arsisete Saraiva, «com o aparecimento dos medicamentos modificadores da resposta biológica da AR, deu-se um grande avanço no tratamento da AR, particularmente das formas mais graves e refractárias». Contudo, adianta, «a sua aprovação em Portugal veio introduzir um factor de discriminação no acesso, com desigualdade de oportunidades em função da “porta de entrada” no serviço nacional de saúde».Neste âmbito, esclarece, «a associação desde logo procurou sensibilizar todos os parceiros para esta iniquidade. Para além das diligências junto do Ministério da Saúde, das intervenções públicas, das jornadas anuais e do seu boletim, tomou a iniciativa de levar uma petição popular com mais de 16.500 assinaturas à Assembleia da República, em Dezembro de 2006, tendo reunido com todos os grupos parlamentares para os sensibilizar para a restrição de acesso dos doentes».

Para 2009, a ANDAR promete continuar e reforçar a sua actividade e entre os principais objectivos destacam-se a organização de sessões mensais com doentes em grupos de suporte, a constituição de uma federação internacional, angariar fundos para o projecto do Centro de Acolhimento em Lisboa, a abertura de núcleos regionais e alargar as actividades de voluntariado.

TESTEMUNHOS:Vida nova

Hoje com 69 anos, José Pereira está reformado e lembra sem saudade o dia em que deixou de se mexer, «da cabeça aos pés», como faz questão de frisar.

Depois de 12 anos na Guarda Fiscal e de 30 como recepcionista da Lisnave, há quatro anos, José Pereira começava a gozar os seus merecidos dias de descanso quando os primeiros sinais de AR se manifestaram.«Esta doença apareceu quase de repente e no prazo de 15 dias fiquei praticamente sem me mexer. Não era sequer capaz de abotoar uma camisa ou de me vestir. As mãos estavam todas deformadas e todas as posições eram incómodas. Foram dois meses em que até dormir era muito doloroso.»

Pouco informado do que era a doença, José Pereira não esqueceu as primeiras palavras do médico, que o informou de que não havia qualquer cura, mas apenas medicamentos que traziam bons resultados. «Havia pessoas que se davam bem, mas havia outras que podiam não se dar», disse-me ele, «mas no meu caso o sucesso é óbvio e não há comparação com os primeiros meses em que não conseguia fazer nada. Felizmente, recuperei a minha vida normal e faço todas as minhas actividades normais sem dificuldade». Hoje, os dias decorrem com normalidade e José Pereira está feliz por poder aproveitar esta fase da sua vida em que apenas tem de ir ao hospital a cada dois meses, para fazer o tratamento.«Para ocupar os tempos livres, entretenho-me a cuidar do meu neto. Além disso, faço caminhadas e cuido do meu quintal».

Vida activa

Grande parte da sua vida de trabalho foi passada num centro de saúde, onde era administrativa, mas Maria Vitória Bastos não pensou que, chegada a altura de reforma, teria de continuar a frequentar espaços do género, mas por motivos de saúde.

Hoje com 62 anos, a doente recorda que a artrite apareceu aos 58, quando ela e o marido planeavam já os tempos de reforma.«Há já muitos anos que tinha problemas de reumático e me queixava de dores de coluna e joelhos. Como trabalhava num centro de saúde fui sempre acompanhando a situação, fazia fisioterapia e anti-inflamatórios, até que em 2005 tive uma crise nas articulações fora do vulgar. Fiquei com as articulações das mãos todas inchadas, assim como os joelhos e cotovelos. Eram bolas autênticas que surgiram de modo completamente repentino.» Nessa altura, as análises confirmaram o pior, pelo que a solução era consultar rapidamente um reumatologista. Contudo, conta, «nos primeiros tempos não houve quaisquer sinais de melhoras. Bem pelo contrário, o sofrimento e as dores eram terríveis. Deixei de andar e de fazer a minha vida normal. O meu marido é que tinha de fazer tudo, desde as tarefas da casa até à minha higiene pessoal».Hoje, o cenário é bem diferente e Maria Vitória Bastos apenas tem de ir ao hospital de dois em dois meses. Não esquece os tempos difíceis e sabe qual a razão para tão grande mudança: os medicamentos biológicos. «O meu caso era raro, porque a doença parecia não responder à terapêutica convencional. E, realmente, esta solução foi quase milagrosa. Comecei a fazer o medicamento biológico e na primeira semana já sentia melhoras.»

Actualmente, os dias são preenchidos e deles fazem parte a ginástica e a natação. Contente por recuperar a sua vida, Maria Vitória Bastos assinala que não pode fazer esforços extraordinários, mas as actividades quotidianas não são um problema.«A única coisa que sinto mais regularmente é o cansaço, mas, apesar disso, não fico quieta e faço questão de ir à minha vida.»

(in http://www.jasfarma.pt/artigo.php?publicacao=sp&numero=79&artigo=9)

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