terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Mais de 60 por cento das pessoas morrem nos hospitais

Cada vez se morre mais nos hospitais ou em clínicas - houve um aumento de 13,3 por cento em Portugal neste período

É uma tendência que começou na segunda metade do século XX e se acentuou na última década: morre-se cada vez mais nos hospitais. A casa como lugar para o fim da vida deixou de ser predominante e o problema é que uma parte substancial das unidades de saúde ainda não está preparada para lidar devidamente com a hospitalização da morte.

Só entre 2000 e 2008, a percentagem de pessoas que morreram nos hospitais ou em clínicas aumentou 13,3 por cento em Portugal. Os óbitos hospitalares representaram 61,4 por cento do total (contra 54,2 por cento, em 2000). Ao mesmo tempo, as mortes em casa - que em 2000 correspondiam sensivelmente um terço do total - eram já menos de 30 por cento em 2008. E é preciso notar que aqui estão incluídos os óbitos em lares de idosos. Os dados, do Instituto Nacional de Estatística, são analisados no estudo Dos 15 aos 115 - Tendências da mortalidade em Portugal 2000-2008 - um trabalho em que o Alto-Comissariado da Saúde avalia a evolução da mortalidade na primeira década do século XXI, comparando os valores dos anos 2000, 2004 e 2008.

É a confirmação de um fenómeno que o presidente do Conselho para a Qualidade na Saúde, o médico Luís Campos, foi o primeiro a observar e a destacar em Portugal. Em 1991, num trabalho sobre a hospitalização da morte, Luís Campos traçava já a curva ascendente dos óbitos por doença nas unidades de saúde, por contraponto às mortes por doença no domicílio - que representavam 88,3 por cento do total em 1958. Foi justamente no início da última década do século XX que passou a ser mais comum morrer no hospital do que em casa. Um fenómeno que é explicado por uma série de factores: a ocultação da morte, a mitificação da medicina e os avanços no campo da reanimação, acompanhados da redução do núcleo familiar e do aumento do trabalho feminino. O problema é que "esta mudança sociológica" não foi acompanhada pelo sistema de saúde, observa Luís Campos. Era necessário equipar os hospitais para as novas necessidades, mas ainda pouco foi feito.

Os autores do estudo do alto-comissariado chamam justamente a atenção para as debilidades da resposta a doentes em fase terminal nos hospitais. Para avaliar esta realidade, realizaram um inquérito em 28 serviços e obtiveram respostas de 36 responsáveis. Não é uma amostra representativa, mas permite ter uma ideia do que se passa nas unidades de saúde. Basta ver que apenas 36,8 por cento dos serviços inquiridos dispõem de um local próprio ou reservado para os doentes em fase terminal e que são a excepção os profissionais que têm treino específico para lidar com estes doentes, tal como são uma minoria os departamentos que mencionam a possibilidade de os cuidados serem prestados num esquema domiciliário.

O apoio aos familiares ainda é mais descurado: o telefone é o modo mais usado para participar a morte (71,7 por cento) e só uma minoria dos médicos e enfermeiros procura ajuda psicológica para os familiares após o óbito.

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